quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Prefácio

Rodrigo da Rocha Loures

Velho tanque
Uma rã salta
Barulho de água

Quase no final da leitura deste livro, encontrei uma pérola, o haikai do mestre zen Bashô, escrito enquanto ele realizava uma peregrinação rumo a Oku, região inóspita e misteriosa do Japão. Os poemas criados durante essa jornada resultaram em um livro com o instigante título de “Diário de Viagem: Trilha Estreita ao Confim”. Segue-se um trecho em que Tereza, em meditação profunda, nos relata o que está vendo:

Deveria ser um dia quente de verão uma rã ansiosa por aliviar o calor de sua pele, e, ele, meditando, diante de um lago. Subitamente, Bashô é interrompido pelo barulho do salto da rã na água.

Comparo a quietude do lugar, a imobilidade das águas e o forçado “voltar à realidade” do poeta, às pessoas como nós, que perante o surgimento de um fato novo em suas vidas, precisam, de repente, ler o mundo com outros olhos.

... E de repente, através dessa epifania que somente a poesia pode revelar, entendi que toda a experiência que fez gerar esse livro estava totalmente contida neste haikai.

No “velho tanque” de Bashô, a água representa a vida.

O encontro da rã com a superfície da água é aquele evento que começa apenas com um toquezinho, mas vai se expandindo até gerar uma nova realidade que transforma por completo toda a condição do velho tanque.

E finalmente temos a rã e a trajetória de seu salto.

No somatório desses três símbolos do poema – “Velho Tanque”, “Salto da Rã” e “Movimento da Água” – resulta a esperança.

A esperança de mudar, metaforizada pelo salto da rã, as incertezas e os medos, vivenciados no tempo e espaço entre o ponto de partida e o de chegada, passando pela inevitável jornada ao desconhecido numa trajetória no ar, sem a segurança do chão, que pode significar vida ou morte, aventura sem volta.

A partir do salto, a rã se vê em suspensão, perdida do chão e tendo diante de si apenas uma expectativa de onde e quando ela tocará novamente a segurança. É a partida para uma viagem sem garantias, mas com a renovação da esperança.

Foi assim, confrontando Vida e Morte; Medo e Coragem; Enfermidade e Cura, e assumindo a escolha pelo salto, que Bia e Tereza partiram numa jornada de fé.

A Esperança

Desde o seu nascimento, há 25 anos, a Bia e sua família vinham peregrinando em busca de cura para uma doença congênita. Médicos, consultas, exames, salas não só de espera, mas também de encontros e desencontros entre pacientes, esperanças, frustrações. Muitos anos...!

Mas..., um dia, assim como no “velho tanque”, algo novo aconteceu e começou a mexer com a água. Tereza e Bia foram a um hospital em São Paulo para entregar presentes de Natal para médicos e pessoas queridas. Ali, no corredor, inesperadamente, encontram-se com Izamar e Rafaela, mãe e filha, que visitavam o local com a mesma intenção. As duas eram velhas conhecidas de “antigas” salas de espera e Rafaela, portadora da mesma enfermidade, encontrava-se totalmente curada.

Izamar e Rafaela contaram que há meses procuravam reencontrar Tereza e a filha, a fim de que também Bia pudesse contactar a equipe médica norte-americana com a qual Rafaela havia se tratado. Da mesma forma com que a “rã” surpreende a superfície plácida da água, agitando-a numa novidade de movimentos, com efeitos que se irradiam e se expandem de forma incalculável e imprevisível, uma nova esperança de cura brotou nos corações de Bia e Tereza.

O Olhar Apreciativo

“O olho é a luz do corpo. Se teu olho é são, todo o teu corpo será iluminado. Se teu olho estiver em mau estado, todo o teu corpo estará em trevas.” (Mt 6, 22-23)

Este olhar bíblico certamente freqüentou os dias de Bia e Teresa, e é confirmado no depoimento abaixo:

..no dia 10 de março, primeiras horas póscirurgia da Bia, preocupada e insone, fotografei este amanhecer. Este sol, nascendo em meio à escuridão da madrugada, que vai definindo pouco a pouco os edifícios, as árvores, os carros e as pessoas, traduziu-me a fé e todas as esperanças de cura que depositava em deus e no conhecimento do Dr. Suen e equipe. Significou-me toda a luz que iluminaria os caminhos futuros de Bia. E assim, imaginei-a toda envolta em luz, pronta para brilhar em todo o seu esplendor de filha de Deus”.

Tereza deixa-nos muito claro qual foi a escolha de olhar que adotou.

Mas a Bíblia também nos diz que a Fé sem obras é morta. Portanto a Tereza (Cuidador) arregaçou as mangas e pôs suas mãos a trabalhar, chefiadas pelo coração, presenteando não só sua filha, mas todos com quem se relaciona, incluindo a nós leitores deste seu manual e testemunho, com seu amor. Mas sabemos que além da atitude certa convém desenvolver também o método certo.

A Investigação Apreciativa

Tereza atribui o sucesso da sua jornada à capacitação por ela recebida em Investigação Apreciativa. Esta metodologia (ref1 e ref2) de aprendizagem e desenvolvimento pessoal e organizacional criada por David Cooperrider tem tido invariável sucesso onde quer que seja aplicada apropriadamente. Eu mesmo sou testemunha de sua efetividade, seja por experiência pessoal, seja pela da sua aplicação na Nutrimental, empresa da qual participo, e em inúmeros programas da FIEP.

Tradicionalmente, muitas pessoas, assim como suas organizações, se consideram um problema a ser resolvido, e o método de trabalho adotado passa pela elaboração de uma lista de problemas. Procuram-se suas causas e parte-se para a elaboração e implementação de soluções. A referência principal desse tipo de planejamento é o passado.

Existe uma grande diferença entre este método e a Investigação Apreciativa. Nesta, o foco não é o problema, mas a construção de um futuro desejado com base no que se tem de fortalezas. A pessoa ou organização deixa de ser percebida como um problema a ser solucionado, para ser vista como a própria solução, como um potencial, um mistério a ser descoberto e desenvolvido.

Um aspecto que diferencia a Investigação Apreciativa das outras metodologias de desenvolvimento de pessoas é que as imagens de futuro emergem de exemplos positivos ocorridos no passado. Estas imagens se tornam possíveis porque estão baseadas em momentos extraordinários da vida pessoal ou organizacional. A sua referência principal de planejamento é o futuro que se quer construir.

O seu instrumento básico de trabalho é o protocolo de entrevista apreciativa. Uma peça-chave cuidadosamente elaborada para orientar todo o esforço de aprendizagem e mudança. O engenhoso e criativo livro-manual da Tereza e Bia tem as propriedades de um roteiro de pesquisa apreciativa auto-aplicável, voltado ao resgate das potencialidades humanas tendo por mote a ética do cuidado.

Com este elevado propósito, Tereza e Bia partilham com o leitor sugestões de atitudes que podem tornar o dia-a-dia de Cuidador e Cuidado mais positivo e enriquecedor. Mas o que vamos aprendendo mesmo, à medida que viramos as páginas, não é primordialmente o que o manual sugere de concreto, mas o exercício de sensibilidade do qual nosso espírito vai se embebendo.

Esta sensibilidade é que passa a ser o eficaz instrumento para a mudança, como se aos poucos, despertados para os sentimentos que nos causa tudo o que está a nossa volta, fôssemos acordando de uma anestesia e, saindo desta imobilidade, gerássemos em nós os movimentos da cura. E mais uma vez recordo que, se nosso “Olhar for são (amoroso), todo o nosso corpo será iluminado e são”.

Então Tereza começou a palmilhar um caminho que era ficar de coração aberto para toda a experiência que fosse sensibilizar a ela e aos que estavam a sua volta; de tudo que fosse expressão de amor. É como se seus olhos “espirituais”, e também os “carnais”, escolhessem agora só perceber o que fosse Amor, e, assim, a partir deste livro, as duas vão nos iluminando e mostrando, como que com uma lanterninha, como praticar Cristo em suas vidas

“Dá Cristo ao mundo, não o mantenhas para ti mesmo, e ao fazê-lo, usa as tuas mãos.” (Madre Tereza de Calcutá)

Tereza e Bia transformaram a energia estática (potencial) que é o sentimento de amor puro e gratuito, em energia cinética. Ou seja, “ações práticas de amor”. O que elas se propõem aqui é ilustrar como no dia-a-dia, passo a passo, a partir de uma atitude amorosa, uma atitude apreciativa, “olhos bons”, elas se tornaram sensíveis às práticas de amor que atuaram positivamente nas moléculas de seus corpos, como explica a física quântica, e a cura pouco a pouco encontrou o seu espaço.

Olhando para a Bia (Cuidado), contemplamos sua cura física e temos a certeza de que – no nível da alma e do espírito – curas também ocorreram em Tereza (Cuidador). Provavelmente, em graus variados, em todos aqueles que, sendo da equipe médica ou do grupo de amigos de convívio em Litle Rock, estiveram muito próximos a elas no decorrer de todo este processo.

Portanto, as moléculas tomadas da energia cinética da cura ativam por conseqüência as suas vizinhas e o benefício de umas é também o benefício de outras. Assim de que outro modo poderíamos entender que Tereza de Calcutá tocasse os considerados intocáveis, carregados de tantas enfermidades, testemunhando e trabalhando com tanto sofrimento e, ao mesmo, tempo estivesse tão saudável, a ponto de ter ainda mais e mais a dar?!

Ética do Cuidado

Cuidar é a base da natureza humana. É uma relação de afeto com a realidade. Para isso devemos nos valer simultaneamente da nossa razão, nossos sentidos, percepções e relações. Daniel Goleman, no seu livro Inteligência Emocional, citando estudos avançados sobre os movimentos dos neurônios no cérebro humano, mostra que a primeira reação é o afeto. Só alguns instantes depois, entra em funcionamento o raciocínio.

Ou seja, sentimos a realidade antes de pensar sobre ela. Acreditamos que este dispositivo internoé parte de uma lógica divina de autoproteção, que apela à necessidade de cuidarmos uns dos outros e, em última análise, garantir a sobrevivência da vida no planeta.

Este livro-manual, sábia e amorosamente elaborado por Tereza e Bia, é um exemplo vivo destes pressupostos e sugere que a Ética do Cuidado é o caminho de cura das pessoas e também do planeta. A pungente história de vida das autoras demonstra o extraordinário poder dos nossos sentidos quando apropriadamente apoiados por relações de solidariedade amorosa em conexão com nossa dimensão divina. Sua porção espiritual proporciona inspiração e força, enquanto sua porção técnica oferece um método.

Estamos a um passo da destruição da nossa biosfera. O mundo atual está enfermo e pede para ser dirigido por um novo conjunto de expectativas – migrarmos de um sistema baseado no EGO para um sistema baseado no ECO. Tudo aponta para a necessidade urgente de cuidado. O desenvolvimento de uma nova atitude e conhecimentos práticos se tornam imprescindíveis para a cura das partes (pessoas-comunidades) e o todo (humanidadenatureza). Estamos diante de uma oportunidade ímpar de mobilização em prol da construção de uma Nova Cultura, a da Ética do Cuidado.

Muito se fala da ética, mas estas palavras e conceitos se tornam áridos e ocos se não contemplarem o aprofundmento prático do cuidado e do sustento nela implícitos – suas dimensões espiritual e social. A Ética do Cuidado se dá mediante a da ação correta. Este livro-manual é a contribuição das autoras a todos que se sintam também chamados a ingressar nesta jornada.

Este é o apelo implícito no instigante trecho do I CHING citado na conclusão deste livro. Esta fonte de sabedoria milenar sugere que, na medida em que a prática do cuidado for se disseminando, estará em curso a construção de uma nova cultura. Uma transformação nos comportamentos em comunidade. Uma natural transformação do mundo. Porque quando fazemos algo bom, automaticamente nos inserimos na cadeia energética desse gesto e passamos a ter uma parcela de responsabilidade no processo, até o final. Há um crescente número de indivíduos sensibilizados pela Ética do Cuidado, mas o grande desafio é construir uma humanidade pautada pela ética do cuidado.

Este livro faz a sua parte. Nos mostra basicamente como por meio das relações positivas (Apreciativas), caminhar na vida com o olho bom, fazer o bem, nos conduz ao encontro da cura que vem do amor. A Tereza e a Bia, na relação mãe e filha, encontraram em suas próprias referências exercícios e práticas cotidianas e minuciosas de amorosidade em tudo que olhavam ou faziam. Assim, seus dias estavam, em todos os momentos, iluminados e curados com o olhar do amor. Efeitos benéficos que se estendem até agora, como a materialização deste livro, cujas sugestões, se praticadas com o espírito da fé, do amor e da caridade, encontrarão justificativa em Lucas 6:38 “dai, e dar-se-vos-á. Colocar-vos-ão no regaço medida boa, cheia, recalcada e transbordante, porque com a mesma medida com que medirdes, sereis medidos vós também”.

Tereza e a Bia escolheram a melhor parte, a de praticar o amor.

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