quinta-feira, 13 de agosto de 2009

De cheiros e lembranças

O olfato é um sentido mudo. Quando queremos descrever um cheiro, as palavras nos faltam. E o descrevemos segundo similaridades: floral, mentolado, acre, adocicado, agradável, desagradável, resinoso, amadeirado, cítrico, frutal, enjoativo, estimulante, afrodisíaco, sedutor etc.

Na verdade, o olfato não necessita de um intérprete. Um aroma pode ser extremamente nostálgico, porque desperta imagens e emoções poderosas. As sensações que podem ser evocadas pelo nariz chegam ao sistema límbico, que é a memória mais remota de cada um de nós, em menos de 15 segundos!

“Lembro-me vivamente do cheiro de pão de queijo e dos bolos que minha mãe fazia para o café da tarde com os vizinhos de apartamento; da bananada e dos waffles que eu não podia comer, do cheiro bom de lavanda, refrescante em meu corpo. E tudo isso me evoca as pessoas com quem conversávamos, ríamos e compartilhávamos os bons e os maus momentos. E isto me traz uma saudade imensa.” – Bia

Quem não guarda na memória um perfume inesquecível? Quando presenteamos alguém com perfume, estamos dando-lhe memória líquida.

O próprio Menino Jesus recebeu dentre seus primeiros presentes, incenso. E quem não se lembra do Chanel n.º 5, um clássico da sensualidade feminina, o perfume que era a roupa de dormir de Marilyn Monroe? Perfumes nos fazem evocar, de maneira sutil, vigor, força vital, todo o otimismo, a esperança e a paixão da juventude, sedução, encantamento, envolvimento, independentemente da idade das pessoas. Perfumes têm o poder de tornar sonhos, emoções e sensações tangíveis.

Os odores permanecem na lembrança e, segundo Rudyard Kippling, eles são capazes de detonar as batidas do coração, mais do que as imagens e os sons.

Quem não se lembra do cheiro de pão fresquinho, lá daquela padaria na infância? Ou das goiabeiras, das magnólias e violetas em flor? Dos lençóis e fronhas exalando leve perfume de alecrim, embalsamando os aposentos? Do pungente aroma dos biscoitos de baunilha feitos pela avó?

Para ficarmos mais intelectuais: poderíamos ler o belíssimo Em busca do tempo Perdido, se Proust não estivesse um dia, a degustar no seu chá da tarde, bolachinhas “madeleines”? Um feliz casamento entre sabor e aroma, leva Proust e nós, leitores, a passear pela memória, num verdadeiro túnel de reminiscências olfativas.

E para finalizar, alguns dados técnicos: os cheiros estão presentes desde que nascemos. O bebê conhece a mãe pelo seu cheiro. A mãe é o seu elo mais próximo, fonte de sua segurança, afeto, prazer, nutrição e higiene. Cheiramos o tempo todo, e sempre que respiramos, 23.040 vezes ao dia, consumimos 12m3 de ar. Levamos 2 segundos para inspirar e 3 segundos para expirar, um total de 5 segundos, tempo em que as moléculas do odor fluem ao longo de nossos sistemas.

Vivemos banhados de odores: os que nos envolvem, os que são emanados por nós, e os que giram ao redor de nós. O olfato está no auge das suas cinco milhões de células durante a meia-idade e enfraquece à medida em que envelhecemos. Pacientes portadores do mal de Alzheimer freqüentemente perdem o olfato juntamente com a memória. E a sensibilidade quanto aos cheiros é muito mais elevada nas mulheres do que nos homens, em qualquer grupo de idade.

Para motivar o exercício do olfato, nada melhor do que o testemunho de Hellen Keller, extraordinária escritora americana, cega desde o nascimento:

“O olfato é um mágico poderoso que nos transporta, percorrendo a distância de milhares de milhas e de todos os anos que vivemos. Os odores das frutas fazem com que eu flutue para minha casa no sul; para minhas brincadeiras infantis no campo cheio de pessegueiros. Outros aromas, repentinos e fugazes, fazem meu coração dilatar de felicidade ou contrair-se a alguma tristeza recordada. Mesmo quando penso apenas nos cheiros, minhas narinas ficam plenas de aromas, que despertam doces memórias de verões passados e campos distantes.”

Perfume-se. Perfume sempre, de modo suave, o corpo e o ambiente. Perfume-se!

Acenda velas aromáticas, espalhe infusores de perfume ou vasos com flores perfumosas.

Evoque os cheiros que lhe trazem os melhores momentos da vida.

Leve o Cuidado para sentir o cheiro da terra molhada de chuva, das flores, da grama recém-cortada.

Os exercícios seguintes, recomendamos, sejam feitos de olhos vendados ou fechados:

Faça o jogo do Quem usa este perfume?

Pegue folhas de laranjeira, de limoeiro, eucalipto, louro ou uma outra aromática e esmague-as entre os dedos. Em seguida, peça a Cuidado para identificar o aroma. Que tal tentar com uma fruta (manga, carambola, banana) ou flores (violetas, cravos, rosas, camélias) ou pimenta, gengibre e noz moscada? Ou uma bebida como vinho, cachaça ou café?

Cozinhe algo bem aromático, de preferência um prato apreciado por Cuidado. Peça-lhe a identificação. Existem no mercado gastronômico, excelentes sugestões para perfumar os pratos. Algumas delas: manjericão, orégano, salsa, alecrim, noz-moscada, pimentas (vermelhas, amarelas, verdes, brancas e pretas), manjerona, sálvia, canela, gengibre, erva-doce, cravo-da-índia, açafrão, páprica, cominho e hortelã, dentre outros.

E, por fim, presenteie-o com um cheirinho, bem ao estilo do Nordeste, que é uma aspiração nasal de carinho. E, não por acaso, lembre-se de que os esquimós se beijam esfregando os narizes...

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