Bia e eu somos testemunhas de que a cura depende essencialmente de uma disposição física, mental e espiritual baseada em redes de sensibilidade. Os sentidos da visão, audição, olfato, tato e paladar, isoladamente ou associados entre si, são generosa fonte de nutrição para o físico e para a mente. Associados a boas reminiscências, a pensamentos positivos e promessas de um futuro melhor, são uma dádiva para o coração. A espiritualidade foi a incrível força que nos sustentou em momentos inspiradores de fé, confiança e alegria. O título Sentir para ajudar a curar define o propósito de nosso “sentar ao seu lado”.
“Sentir é um verbo exigente. Ele pede paciência, tolerância, dedicação incondicional ao próximo, aceitação, desprendimento, humildade e sabedoria para poder decidir por si e pelo outro.” – Bia
Sentir, na acepção de acolher o outro, é escutar suas inquietações, seus temores, seus sofrimentos e se dispor a participar de seu destino, de seus sonhos e de suas buscas. Aqui, evoco a simpatia e a solicitude do Dr. James Suen, que, sabendo de nossa solidão e de nossas incertezas, diariamente vinha visitar-nos, perguntar se estávamos bem, se estávamos nos alimentando adequadamente, e nos trazia filmes e DVDs de musicais para nos distrairmos. Conversava sobre os mais diversos assuntos, ouvia as observações da Bia e exigia-lhe, de modo calmo, participação nas respostas. Cauteloso quanto à prescrição dos medicamentos e tratamentos, orientava-me com paciência, falava-me pausadamente para que eu entendesse bem as recomendações. E quando foi possível, levou-nos a conhecer sua família e belos recantos de Little Rock. Dr. Suenshine (‘raios de sol’, trocadilho que minha filha criou com o nome do Dr. Suen), não somente cuidou de nós, mas se preocupou conosco. De voz suave e pausada, Dr. Suen, instila esperança e confiança através de palavras bem cuidadas e envolve seus pacientes num manto de interesse e compaixão. É, na verdade, um médico de corpo, mente e espírito.
Sentir para ajudar a curar: Cura, que em latim arcaico se escrevia coera, referia-se a um contexto de relações de amor e amizade, no qual um sai de si e centra-se no outro, com desvelo e solicitude.
O físico Amit Goswamit, autor do livro O Médico Quântico, ainda acrescenta que, para conduzir processos de cura integral, isto é, corpo, mente e espírito, é necessário adotar um novo procedimento na área médica: integrar os métodos da medicina convencional (fármacos, cirurgias e tecnologias) à medicina alternativa como a homeopatia, acupuntura, meditação e yoga.
Por outro lado, a moderna medicina alternativa vem resgatando uma das grandes tradições terapêuticas que pregava que a cura é um processo global, envolvendo a totalidade do ser humano e não apenas a parte enferma. Uma tradição ocidental que remonta aos tempos de Asclépio (ca. 2000 a.C.), cuja vertente nos deu o pai da medicina clássica e moderna, Hipócrates (460-377 a.C.).
Asclépio, por exemplo, mantinha em sua clínica de recuperação, em Epidauro, na Grécia, atividades ligadas à dança, música, ginástica, poesia, ritos e sono sagrado.
Havia o Abaton, santuário onde os enfermos podiam dormir para terem sonhos de comunhão com a divindade, que os tocava e os curava. O Odeon, lugar onde se podia desfrutar de música tranqüilizadora e também produzir e recitar poemas de enlevo. O Ginásio, onde terapeutas orientavam e ajudavam a fazer exercícios integradores da mente/corpo. O Estádio, para esportes de competição controlada, para melhorar o tônus corporal. A Biblioteca, reservada para a consulta de livros, admiração de obras de arte e a promoção de discussões sobre os mais variados assuntos.
Bia e eu somos testemunhas de que a cura é resultado do casamento entre razão – eu penso, eu conheço a reputação do meu médico, os remédios que ele me receita, o conhecimento e a tecnologia que ele domina – e a sensibilidade: Sentir para ajudar a curar – eu sinto, eu confio, eu desejo ser curado, somados às crenças e expectativas de quem interage com o paciente. É uma relação de estima, afeição e simpatia mútua existente entre o paciente, aquele que cura, aquele que cuida e os que compõem a rede de sensibilidades.
E para comprovar que a idéia acima é defendida há muito tempo, invocamos as palavras da Biblia:
“Honre os médicos por seus serviços, pois também o médico foi criado por Deus. O Senhor deu aos homens a ciência para que pudessem glorificá-lo por causa das maravilhas dele. Com elas, o médico cura e elimina a dor, e o farmacêutico prepara as fórmulas. Meu filho, se você ficar doente, não se descuide. Suplique ao Senhor, e ele o curará. Não se afaste tampouco do medico, porque você precisa dele. Há casos em que a cura só depende dele. Ele também suplica ao Senhor, a fim de que lhe conceda aliviar a doença e curar seus pacientes”. (Ecl.38,1:14)
Cuidador será, pois, nossa maneira de nomear quem cuida de gente que, por uma razão ou outra, depende de ser Cuidado. Cuidador terá de ter sempre presente que ele é corpo, pessoa e afetividade que vai interagir com outro corpo, pessoa e afetividade, o Cuidado, o ser fragilizado pela doença.
Corpo, essa estrutura de músculos, sangue, nervos e ossos que é a nossa maneira de ser, de habitar e de abraçar o mundo. Um corpo que carrega sonhos, desejos, paixões contraditórias, culpas, alegrias e tristezas, sucessos e fracassos, saúde e sofrimento, cicatrizes de pele e de alma. Isto somos nós: ser humano-corpo-mente-espírito.
E anotar que Cuidado, sendo outra pessoa, precisa ser respeitado em sua dignidade. Dignidade que pode evocar lucidez, coragem, aceitação da realidade, ausência de mesquinhez, pudor, discrição, vontade de não fazer pesar sobre o outro o seu infortúnio. Ou que também pode ser tudo isso às avessas, de maneira inconsciente.
Sentir é sinônimo de Cuidador Amoroso.
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